As salamandras aquáticas conhecidas como axolotes são famosas por sua habilidade incomum de regenerar membros perdidos por ferimentos ou amputações. Agora, pesquisadores descobriram mais sobre o processo complexo por trás desse "superpoder", conforme descrito em um novo estudo publicado nesta terça-feira (10) na revista Nature Communications.

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“Uma questão antiga na área é: quais são os sinais que dizem às células no local da lesão que elas devem regenerar apenas uma mão, por exemplo, ou um braço inteiro?”, disse o autor sênior do estudo, James Monaghan, professor de biologia e diretor do Instituto de Imagem Química de Sistemas Vivos da Universidade Northeastern.

A pesquisa revelou que uma substância chamada ácido retinoico, frequentemente encontrada em tratamentos de acne com retinol, é a responsável por indicar às células feridas dos axolotes quais partes do corpo devem ser regeneradas — e como.

 

O ácido retinoico também é importante no desenvolvimento de embriões humanos, ajudando a orientar o DNA sobre onde formar a cabeça, mãos e pés, explicou Monaghan. Mas, por razões ainda desconhecidas, a maioria das células humanas perde a capacidade de “ouvir” esses sinais regenerativos ainda durante a gestação.

Embora a ideia de recriar membros humanos inteiros ainda pareça algo distante e digno de ficção científica, Monaghan afirma que estudar a função sinalizadora do ácido retinoico nesses anfíbios pode abrir caminhos para novos métodos de cura e terapias genéticas em humanos.

Estudando o ácido retinoico em axolotes

Axolotes não brilham no escuro naturalmente. Para observar os sinais do ácido retinoico, a equipe de Monaghan usou exemplares geneticamente modificados que emitem um brilho fluorescente verde nos locais onde a molécula ativa as células lesionadas.

Inicialmente, os pesquisadores adotaram uma abordagem mais “Frankenstein”, injetando quantidades excessivas de ácido retinoico nos organismos dos axolotes para observar o efeito. No local das amputações, os animais acabavam crescendo além do necessário — substituíam uma mão por um braço inteiro.

“Se você injetar ácido retinoico em excesso em uma lesão, todos esses genes diferentes, provavelmente sem relação com o plano corporal necessário, serão ativados”, disse Catherine McCusker, professora associada de biologia na Universidade de Massachusetts Boston, que não participou do estudo, mas também pesquisa a regeneração de membros em salamandras.

Para compreender melhor como os axolotes usam seus próprios níveis naturais de ácido retinoico para regenerar membros, a equipe de Monaghan mudou de abordagem.

“Descobrimos que uma única enzima é responsável por quebrar o ácido retinoico no corpo desses animais”, disse Monaghan. Quando a equipe bloqueou essa enzima, os efeitos "Frankenstein" voltaram a ocorrer. “Isso foi extremamente empolgante, pois mostrou que os níveis da substância natural são controlados por sua degradação.”

Em outras palavras, uma mão ferida de axolote sabe que não deve crescer até se tornar um braço em parte porque a enzima, chamada CYP26B1, impede que o processo regenerativo vá além, explicou McCusker.

Até agora, entender essa relação no sistema regenerativo dessa espécie é apenas uma parte do quebra-cabeça, disse Monaghan. O próximo o será identificar exatamente quais genes o ácido retinoico ativa dentro das células durante a regeneração, para decifrar melhor o “projeto” que essas células seguem.

Os axolotes não brilham naturalmente no escuro — eles foram geneticamente modificados para entender melhor como usam o ácido retinóico para fazer crescer membros perdidos • Timothy Duerr
Os axolotes não brilham naturalmente no escuro — eles foram geneticamente modificados para entender melhor como usam o ácido retinóico para fazer crescer membros perdidos • Timothy Duerr

O que os humanos podem aprender com os axolotes

Quando as células de um axolote são feridas, am por um processo chamado desdiferenciação, no qual “esquecem” sua identidade e retornam a um estado embrionário, disse Monaghan. Nesse estado, elas se concentram em gerar novos membros e voltam a responder aos sinais do ácido retinoico.

Já as células humanas não se desdiferenciam quando lesionadas, e por isso não conseguem responder a esses sinais. Em vez disso, nossos tecidos reagem à lesão com formação de cicatrizes, depositando grandes quantidades de colágeno, explicou o pesquisador.

Mas e se fosse possível fazer com que células humanas voltassem a "obedecer" essas instruções para reconstruir membros?

“Essa questão é extremamente interessante no campo da terapia genética, porque talvez não seja necessário adicionar ou remover genes para induzir regeneração em humanos — podemos apenas ativar ou desativar os genes corretos no momento certo”, disse Monaghan, referindo-se a tecnologias como o CRISPR, que permitem alterações no DNA para prevenir e tratar doenças.

A regeneração de membros humanos ainda está muito distante, mas à medida que os cientistas compreendem melhor a sinalização do ácido retinoico, essa tecnologia poderá ajudar a restaurar essa capacidade regenerativa às células humanas, permitindo curas sem cicatrizes, disse McCusker.

Parte da pesquisa de McCusker foca em acelerar o processo de regeneração. Nos axolotes, pode levar apenas alguns dias para regenerar pequenas mãos, mas em um ser humano adulto, isso poderia demorar anos.

“É importante continuar fazendo esse tipo de pesquisa biológica básica”, concluiu McCusker. “Estamos descobrindo formas super inovadoras de fazer coisas que hoje parecem impossíveis para a medicina humana atual.”

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